26 de dezembro de 2012

Da Noite Feliz


Da Noite Feliz
Ficou a solidão em mim
E a mesa farta de saudade
Que é a sobra da alegria
Que noutros tempos eu comi

Sozinho com o meu vinho
O álcool conserva o gosto de outros natais
E a tristeza se desfaz
Em meio às histórias
Que a memória reconstrói
Ao som do blues do B.B. King

Da noite feliz
Restou eu só aqui
Com o meu vinho
E algumas lágrimas para consolar...

[Anderson Lopes]

17 de dezembro de 2012

Luzinhas de Natal


Como se não bastassem as luzes
Dos carros
Dos faróis
Das placas
E dos apartamentos
O natal chegou trazendo as suas luzinhas
E o lamento
Das estrelas esquecidas no céu

Mais luzes
E o aumento
Da temperatura no país tropical
Fazendo derreter o Papai Noel

Para quem a cidade se enfeita
Se já não há beleza que encante
E que faça parar os olhos da população que corre
Para se enquadrar nos moldes do tempo?

Pobre menino Jesus!
São tantas as luzes
Que se hoje Ele nascesse
Ninguém perceberia a estrela
Anunciando a sua chegada
Na Terra

Pobre menino Jesus!
São tantos os motivos inventados
Para se comemorar o natal
Que ninguém percebe
O quanto Ele faz falta
Na Terra.

[Anderson Lopes]

4 de dezembro de 2012

Nova Idade, Cidade Velha


No rosto as linhas aparecem
Como as espinhas que brotavam
Na adolescência já quase esquecida
A pele começa a dar os primeiros sinais de desgaste
E a memória também

A perda gradativa dos cabelos
E o medo de não mais tê-los
E de nem chegar a vê-los
Embranquecidos em minha cabeça:
Crescem as entradas
E poucas são as saídas
O espelho me compara com o meu pai

São Paulo envelhece
Amadurece as maçãs do rosto
No rosto ainda verde
Acelera a lentidão do corpo
Com o corpo ainda disposto
A encarar grandes andanças...

[Anderson Lopes]

8 de novembro de 2012

Estação Vila Olímpia


Estou parado na Estação
Esperando o trem que não chega.
Catando a poesia que sai dos trilhos.
Tentando me contagiar com a alegria dos meninos
Que passeiam numa paz quase divina
Em suas bicicletas aladas.
Eles flutuam na pista
Como flutuam na vida,
Por que nada neles pesa
E na certa são felizes assim.
Estou parado
Enquanto o tempo corre à velocidade do trem.
A Estação logo se enche
É intenso o fluxo de gente
E triste a espera
De quem não pode usar as próprias pernas
[Tão pouco as próprias asas]
Para voltar pra casa.
Estou na Estação Vila Olímpia
Eu sou um trem sem trilhos para percorrer
E o meu peito é um vagão sem gente.
A saudade é quem ocupa os acentos vazios.
Estou febril
A alma está doente
E o corpo é quem sente as suas dores.
O trem chega
Coloco no papel toda a poesia que colhi
Todos os versos que com ela construí
E embarco.
A agonia da espera cessa
E eu volto a funcionar.

Uma ave branca beija o rio que atravessa a cidade
Dando-lhe um instante de vida...

[Anderson Lopes]

11 de outubro de 2012

O Menino Sozinho


Ele era um menino sozinho
Escondido entre os brinquedos
Como tinha medo
De ser da garotada
De perder-se em risadas
Gozos infantis

Era um menino sozinho
Tinha o mundo entre os dedos
Mas tinha medo
Em dividi-lo com a garotada
A sua alegria era velada
Os seus olhos eram gris

O menino sozinho
Queria ser grande
Estar entre os grandes
Voar com as águias
Andar sobre as águas
Enxergar além

O menino cresceu
Sozinho
Já sem medo de nada
Revela-se nas palavras
Sonha em ser de alguém...

[Anderson Lopes]


 [Anderson Lopes]








Miles Davis - Nature boy




1 de outubro de 2012

...Se!


Se eu tivesse alma
O meu corpo não estaria assim
Jogado a qualquer tipo de sorte
Entregue a todo o tipo de gente...

Se eu tivesse um coração
A minha vida pulsaria diferente
O meu sangue correria quente
Por entre as veias entupidas da cidade.

[Anderson Lopes]


#O Homem de Lata

19 de setembro de 2012

Ser Noturno


Com Imagem de: Ricardo Alves
Visite-o aqui: www.iamfotonico.blogspot.com.br


Meia noite de uma vida inteira sem dormir
A meia luz de uma lua cheia eu reflito
Sobre o que poderiam ter sido os meus dias
Se eu não me esquivasse tanto do sol

Eu não teria essas olheiras de vida mal vivida
Eu teria mais sombra
Para dividir comigo as responsabilidades do corpo...

Meia noite
E as lembranças são seres indesejáveis
Saindo debaixo da cama em que o passado dorme
Para me assombrar

Ah, como é leve o sono do passado
E quanto lixo ele acumula debaixo de sua cama!

Mas os grandes olhos da noite são ternos e consoladores
Imensos olhos vigias de mãe
Que me observam por detrás das cortinas
Olhos que não se fecham enquanto o filho não chega
Enquanto o filho não dorme

Doces e complacentes os olhos da noite!
Confortam-me
Protegem-me
E enfim adormeço...

[Anderson Lopes]


4 de setembro de 2012

Aos Olhos do Grande Centro


Espreitam-me os olhos da rua
Pupilas dilatadas
Pesa-me o seu olhar
Constrange-me
Mas não me paralisa
E eu sigo
Despido pelo grande centro

Esquinas, avenidas, viadutos me atravessam
Os carros atropelam a visão “feliz de cidade”
E os meus olhos se lançam suicidas do alto dos prédios sem fim

Os arranha-céus sangrando as nuvens
Os Homens Máquinas sem controle
Os Anti Homens Máquinas sem uso
E eu
Compomos a paisagem que dilata os olhos da rua

Mas a minha alma a rua não enxerga
O grande centro não me despe por completo
E eu sigo embalagem
Prejulgado
Mas com a alma intacta...

“E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso...”

[Anderson Lopes]

14 de agosto de 2012

Antes Areia, Agora Asfalto


Dormi brisa
Acordei furacão
A abalar as estruturas
E a arquitetura da cidade
Com mãos que tudo empurram
Com pés que nada esperam

Dormi calmaria
Acordei tempestade
O céu me obriga a falar
E a minha voz é de trovão
Os meus olhos se fecham como nuvens que se chocam
Ao chorar ,torno-me chuva
E choro
E chovo
Dormi seca
Acordei garoa

Antes areia
Agora asfalto
Dormi Bahia
Acordei São Paulo.

[Anderson Lopes]

30 de julho de 2012

Em Terra Firme Me Firmo

Diante do que se foi
Encima do que já não há
Abaixo do inalcançável
Ancoro a tristeza
E as inquietações da vida

Farto do mar e suas ondas
Farto de não ter aonde chegar

Em terra firme caminho
Embora hesitante
Não estou seguro da firmeza desta Terra
É frágil a sua estrutura
E forte são os seus destruidores

Mas não penso em voltar para o mar
E o enjoo das oscilações

Distante da tristeza
E das inquietações da vida
Em nada lembro o Marinheiro que fui
Firmo nesta Terra os meus pés
A fim de que eles criem raízes
E me deem a segurança que eu nunca tive no mar...

Anderson Lopes



18 de julho de 2012

O Poeta Não Cabe Em Si



O poeta não cabe em si
De tão cheio de alma
Ele inunda o mundo com palavras
Ondas gigantes de emoção

Mas por não saber nadar
O poeta se afoga nas próprias palavras
Imerge em si...


Anderson Lopes




10 de julho de 2012

A Embriaguês Necessária


É fria a manhã de domingo
É tão cedo e os pensamentos vieram sacrificar o meu sono
Como pequenos blocos de gelo caindo sobre o meu corpo descoberto
Não respeitando a rigorosidade do inverno

A embriagues é necessária
Preenche o vazio e me aquece
Embora faça doer a minha cabeça ainda mais
E a dor também é necessária
Ocupado com ela eu até me esqueço de que a alma está ferida
E sangra desde a noite passada

Mas de repente vem à memória o seu rosto em flashbacks torturantes
Sofrer se torna inevitável e eu me afogo no lago escuro das lamentações
Ela estava tão bonita ontem à noite
Como nunca ousou estar para mim
E eu a observava da minha torre de inseguranças, a imaginar o que poderíamos ter sido
Se o amor para ela não fosse tão instável
Ela veio até a mim e me sorriu, livre de qualquer remorso pelo nosso fim
O seu olhar, indiferente a minha saudade, perfurou o meu peito, atingiu a alma
E fez o trem das emoções sair dos trilhos ali mesmo em sua frente.

Eu voltei mais cedo para casa
Com um poço congelado de lágrimas que ainda derrete e compromete a visão
E eu acordei mais cedo e sozinho
O dia será maior e a embriaguês é necessária
Para amortecer o impacto e a agonia dos pensamentos.


Anderson Lopes

27 de junho de 2012

Cida


Anda esquecida
De tão distraída
Erra a medida
Esquece da vida
Vai na contramão

Anda combalida
De tão combatida
Não dá a partida
Estaciona a vida
No meio do salão

Perdida
Falida
Ferida
Traída
Dança na corda bamba
A dança suicida
De quem quer se encontrar no vão.

[Anderson Lopes]

22 de junho de 2012

Vai, Poeta

Love, love, love
Love, love, love
Love, love, love

There's nothing you can do that can't be done
Nothing you can sing that can't be sung
Nothing you can say, but you can learn how the play the game
It's easy...


Põe o teu pé no mundo
Arranque-o deste chão
Sinta a aspereza da estrada
Nenhuma fuga é em vão

Vai, revele ao mundo o teu canto
Largue o braço da solidão
Navegue marinheiro só
Seguindo a rota da intuição

Tire as suas ideias da mala
Jogue ao vento a sua emoção
Voe pequena Fênix
Com as azas da redenção...


All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need


Anderson Lopes
[All You Need is Love é uma canção dos Beatles]

17 de junho de 2012

Canção Triste


Triste a canção que nos envolve
Nesta noite com ares de felicidade
Triste contraste
Mas é a melodia que agora nos cabe
Que melhor define
O final desta festa onde gastamos tanto os nossos pés
Numa valsa alegre
Numa dança que parecia não ter fim...


Anderson Lopes







12 de junho de 2012

12 de Junho: Dia dos Equivocados



No frio atroz de junho
O casal tenta [em vão] aquecer
O amor que há tempos virou gelo.

Anderson Lopes





7 de junho de 2012

Leite de Rosas (Àquelas Duas)



Amavam-se em segredo
Havia menos amor que medo
Naqueles dois corações indefesos

Amavam-se entre olhares
Acenos de mãos
Palavras subliminares

Amavam-se entre cartas
Letras rabiscadas
Juras desesperadas

Amavam-se às escuras
Amor clandestino
Aos olhos do destino

Quando juntas
Uma na outra
Sem alma e sem roupa
O mundo era só um detalhe
Não havia quem as assustasse
Uma na outra
Sem disfarces

Uma na outra
Boca na boca
Seios
Anseios
Receios
Amor em flor
Leite de rosas

A Lua e a Terra
Velavam por elas
E sem mais aquela
Também se despiam

A Lua e a Terra
Uma na outra
Elas por Elas.

Anderson Lopes





3 de junho de 2012

Crise de Erros


A ansiedade cravou em mim as suas garras
E as minhas noites são dragões
Que eu tenho que enfrentar com armas de um São Jorge covarde
De manhã a cabeça cobra os sonhos que não tive
E dói
Não a dor que encontra alívio no analgésico
São dores de parto
Minhas ideias são filhos que se negam a vir ao mundo.
Também é insuportável
A dor dos pesadelos não abortados

De tarde o corpo pede repouso
Enquanto a rotina castiga
E exige cada vez mais dele
O cansaço não encontra refúgio nem na poesia
Que se fez ausente ao pressentir o meu caos
A poesia exige um lirismo que eu não sou capaz de proporcioná-la
Não neste momento
Em que eu estou à beira de uma crise de erros.

Anderson Lopes


29 de maio de 2012

Você

Ausente toda a força acumulada
Assumo a minha fragilidade
E as olheiras de guerreiro derrotado.
Mais uma dose de whisky e a desordem será completa
Mais uma gota de lágrima
E a alma escorrerá por estes olhos
Exaustos de procurar qualquer brilho de esperança
Que se escape por entre as frestas dos seus olhos
Para mim fechados.

Anderson Lopes


Pretérito Imperfeito



Gostávamos de doce
E caminhávamos com os pés descalços no chão
Tomávamos toda a água da chuva
Para regar o sol no verão

Contávamos estrelas
E queimávamos os nossos dedos nelas
Matávamos vaga-lumes
E a eles acendíamos velas

Líamos nossos horóscopos nas nuvens
Víamos nossa sorte nas bolhas de Sabão
Entregávamos nossos destinos aos pássaros
Que migravam na troca de estação

Subíamos nas árvores
Alcançávamos o topo do mundo
Não tínhamos medo de cair
Do céu ao chão bastava um pulo

Éramos todos quem podíamos ser
Além de todos que imaginávamos ser um dia
Só não contávamos com a impiedade do tempo
Que um dia nos afastou com a sua mão fria...

Anderson Lopes


21 de maio de 2012

Amor Vazio




Tao atentos
Tão seguros um do outro
Tão alma e tão corpo
Era assim o amor sem tormento

Tão direito
Tão correto os seus gestos
Tão cal e tão concreto
Era assim o amor sem defeitos

Tão sem Não
Tão sem são chão
Um amor só de Sim
Nuvem
Vão...

Tão sem crises
Tão sem crimes
Um amor sem segredos
Nu
Vão...

Anderson Lopes

15 de maio de 2012

Eis a Questão

Quanto de mim ainda tenho?
O que de mim ainda sei?
Sou de verdade ou o que invento?
Sou o que me fiz
Ou o que o tempo fez??

Só sei que nada sei
Sobre o que sei de mim...

Anderson Lopes

9 de maio de 2012

Um Parêntese: (The Smiths - I Know It's Over )


Do excelente album The Queen is Dead a melancólica I Know it's Over, onde Morrissey canta para sua mãe as mazelas de um cara divertido, porém sozinho e sem amor:


I Know It's Over

Oh Mother, I can feel
The soil falling over my head
And as I climb into an empty bed
Oh well... Enough said
I know it's over - still I cling
I don't know where else I can go
Oh...
[...]



7 de maio de 2012

Exausto

Minha poesia anda cansada
De seduzir palavras
De jogar com as rimas
De procurar por quem por ela se encante

A minha poesia anda cansada
E eu estou calado
Sem conversa
Sem versos...
Os meus pensamentos mal formam uma frase.

Anderson Lopes

2 de maio de 2012

Jantar Indigesto [Cospe ou Engole?]



Veja ali na mesa
O casal
Jantando
Reparem nos olhos dela
Olhos inquisidores
Ameaçadores
De águia prestes a atacar a presa
Reparem nos olhos dele
Olhos caídos
Indiferentes
De presa inconsciente da ameaça

O silêncio seria total
Não fosse o barulho do mastigar das bocas
E como ela mastiga
Não a comida
A palavra
Ela não engole
Rumina
A palavra já fria
Sem sabor
Esperando o momento exato de cuspi-la
E enquanto mastiga
Ela não tira os olhos de cima dos olhos caídos dele

Na parede o relógio registra
A eternidade dos segundos...

[...]

De repente
Ele levanta os olhos
Encara-a
Ela se assusta
Torna-se a presa
Tão indefesa quanto a águia fora de seu habitat
Ele quebra o silêncio das vozes:
- O que foi? Parece assustada. Quer me dizer algo?
Ela não responde
Engoliu, sem querer
A palavra
Então, derruba os olhos em direção ao seu prato
E mastiga
Não a palavra
A comida
Já fria
Sem sabor...

Sim, a vingança é um prato que se come frio.

Anderson Lopes

30 de abril de 2012

Diário de Ilusões




Olho atentamente para o espelho
E desconfio de mim
O meu pescoço sustenta uma cabeça que já não me pertence
Penso:
[...]

Eu canto numa praça vazia
As mazelas de um corpo incompatível com a alma
Incomodo os ouvidos mais distantes
Recebo moedas que já não compram nada
Nem mesmo a auforria de minh'alma
Escrava de si

Ando na velocidade da luz
E as horas não passam
Vejo-me congelado num tempo sem registro na história
Invento histórias
Para ocultar verdades sobre mim


Os instantes que a minha mente eterniza são os que eu quero esquecer
Tento me lembrar das coisas boas
E caio de cara no meu vazio
Jogo fora palavras velhas
Arranco as folhas do meu diário de ilusões
Inicio as páginas de um diário novo
E nada de novo me ocorre.

Anderson Lopes

24 de abril de 2012

Tudo Em Mim É Crônico





A dor é física, meu bem

A causa

O excesso

O efeito

O meu corpo responde à agressão
Outrora chorar era remédio
Agora faz doer ainda mais

Tudo em mim é crônico

Agudo

Inveterado


Anderson Lopes

19 de abril de 2012

Quantos Amores Guarda Uma Atriz?

Quantos amores guarda uma atriz
Em seu coração de mil personagens
Em sua face de mil disfarces
Em seu corpo de múltiplas almas?

Quantos pecados comete uma atriz?
E para quantos deuses ela pede perdão
Dizendo ser apenas encenação
Os atos que a levaria ao inferno?

Para quantos céus vai uma atriz?
Quantas vezes ela morre
Para dar vida a outras vidas
Que não morrerm dentro de si.

Anderson Lopes

A Guerra Silenciosa de Um Boêmio

As tuas palavras ficaram em minha cabeça a noite inteira
Nadando em vodka com as minhas idéias
Enquanto tu dormias eu estava aceso
Pegando no tranco cá com os meus botões
Odiando tudo o que sai da sua boca
Fazendo planos para te golpear no instante em que você acordasse
Ensaiei um mau humor e a pior das caras
Decorei todo um texto de ofensas para desfigurar o seu rosto
Para fazê-lo contorcer de surpresa com as minhas palavras inesperadas
Mas logo amanheceu e enquanto você acordava eu pegava no sono...
Vencido pelo cansaço eu te deixei escapar ilesa
De uma guerra silenciosa
Que só existe em minha cabeça.

Anderson lopes

14 de abril de 2012

12 de abril de 2012

Erros Que Se Repetem Por Prazer

Ela continua amando errado
Andando em brasas para merecer o amor de volta
Entrega-se com a mesma facilidade em que se perde
E quando se reencontra nunca está completa

Com o coração nas mãos costurando-o fibra por fibra
E com os olhos afogados em lágrimas
Ela profere falsas promessas
Jura não ultrapassar as barreiras

Mas com o coração costurado e reposto em seu peito vazio
Um novo amor começa a dar sinais...

Anderson Lopes

4 de abril de 2012

Um Blues

Eu queria ter toda a força que aparento
Toda a garra que aos outros faço supor
Mas quando a porta se fecha
E a luz se apaga
A fortaleza desaba
E o menino indefeso assume o papel

Deitado no chão do meu quarto
Meus olhos são dois vulcões acordados
Derramando lavas sobre o meu rosto
Deixando suas cicatrizes
Como varizes que vão dos meus olhos até o chão...


Anderson Lopes

Entre Fumaças

Hoje eu te amo como jurei que não mais te amaria
Com aquela força autodestrutiva que já conhecemos
Me empurrando para o vazio que tanto temo
Mais uma vez

Com o cigarro entre os dedos
Vejo o seu rosto se dissipando entre fumaças
Formando uma nuvem negra sobre a minha cabeça
Tapando o meu sol com a sua frieza
Mais uma vez.

3 de abril de 2012

A bandeira do Bandeira

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Das palavras feitas para encantar

Comover

Do lirismo que faz brotar água dos olhares mais secos



Quero antes o lirismo dos loucos

O antilirismo dos ignorantes

O lirismo difícil e pungente dos bêbados

O lirismo que estilhaça as vidraças do pudor

O lirismo marginal de Bukowski


Não quero saber do lirismo que enquadra

Que padroniza

Não quero saber do lirismo que não é libertação.


Anderson Lopes e a "Poética" de Manuel Bandeira

O Trevo de Quatro Folhas


“Você devia se valorizar. Até onde você acha que vai com esses seus ‘poeminhas’ de menino que não soube virar homem? Olhe para você. Olhe esta casa, esses papéis espalhados, amontoados de palavras que só dizem alguma coisa para você. Saia. Procure um trabalho. De preferência aqueles que te deixam de cama nos finais de semana sem ânimo até para olhar em volta. Assim sua mente não conversa com o seu corpo e você para de vez com essa ‘viadagem poética’.”
Isso que ela me disse depois de meia dúzia de trepadas. Era isso que ela dizia sempre. Por que ela nunca despejava seu ódio antes, durante a porra do jantarzinho romântico repleto de pratos afrodisíacos para garantir a potência do meu pau? Ela sabia que essas palavras o atingiam diretamente. Velha vagabunda! Fui eu que a transformei numa putinha assanhada. Antes de mim tinha a xoxota tão fria e inanimada quanto um imã de geladeira. Sim, eu devia me valorizar e negá-la no instante em que seu tezão estivesse prestes a fazê-la entrar em combustão. Seria lindo, até poético, ver aquele corpo se contorcendo e eu a provocando com o meu pau que ela não resistia nem em dias de febre. Mas era eu quem não resistia àqueles peitinhos de quarentona, nunca chupados antes de mim. Fui eu quem tirou a virgindade e a sensibilidade daqueles seios adolescentes que, como eu, não souberam amadurecer. Seios adolescentes... Ela agradecia piedosamente aos seus filhinhos por terem rejeitado o leite materno. Como ela sentia orgulho daquelas tetas de vaca virgem, nunca sugados por bezerrinhos famintos. Exibia-os como quem dizia: “Estes o tempo não alcançou!”. E tinha a tatuagem. Um trevo de quatro folhas em volta do mamilo esquerdo com a palavra sorte escrita em japonês. Como era ridículo. Como tudo o que ela fazia para parecer mais jovem era ridículo. Shortinhos, cabelos postiços e o irritante vocabulário cheio de gírias, do tempo da avó de minha avó, ditas com um chiclete na boca que nunca se desgastava.

***

E como foi intensa aquela última trepada. A meia dúzia. Ela se entregou incansável, como se pressentisse sei lá o quê. Talvez a minha morte. Depois que eu parei de cobrar ela queria sempre mais. Nunca passei da quarta. Para chegar até a sexta eu precisaria de uma entidade em meu corpo. Já não era eu quem estava ali servindo aquela Hilda Furacão. Entregou-se como quem procura algo nunca antes encontrado. A última chance. O êxtase antes do fim. Se ela encontrou eu não sei. A reação final foi igual a todas as outras. O uivo de cadela no cio. As unhas de gata assanhada cravada em minhas costas. Isso sim foi diferente. Dessa vez as unhas cravaram as minhas costas e toda a entidade presente em meu corpo já sem reação. Mas eu não morri. Dessa vez não.

***

Gastamos todo o vinho, todos os cigarros e todo o tesão. Depois de saciada ela já não se sentia na obrigação de me agradar. Então vinham as palavras de desdém e os insultas por eu ser um poeta frustrado, beberrão e desempregado. Depois de tudo dito, a última parte do ritual: Ela se vestia, arrumava o cabelo, retocava o batom e pedia para que eu beijasse o seu trevo de quatro folhas em volta do mamilo. Dizia que eu precisava de sorte. Se eu não tinha sorte chupando aquela folha, não era um simples beijo que ia mudar minha vida. Mas eu beijava. E ela ia embora. Mas mal sabia ela (ou sabia?) que dessa vez não era eu quem precisaria de sorte...

***

Sete dias se passaram e eu já gastei todo o vinho, o cigarro e os discos do Tony Bennett.
Ela agora está morta. E eu cada vez mais um poeta perdido em palavras de homem mal crescido, que já não dizem nada nem mesmo para mim.

2 de abril de 2012

O Descobridor

Acabou.
O amor sem medidas descobriu o seu tamanho
E ele não é do tamanho que pensamos.
Cabe no meu bolso;
Cabe no teu seio;
Dentro do teu sutiã.


Meu bolso furado.
Teu seio topless na areia.
O nosso amor sem morada.

Aliança no esgoto
Gosto de alívio no céu da boca.
Saliva em outras bocas.
Beijo a vida.
Fodo a liberdade.
Descubro-me só.


Anderson Lopes

Por Onde Andará Ms. S. A.??

Doce atriz protagonista
De minhas fantasias mais surreais
Em que palco tu agora encenas
O amor que um dia decoraste
Para representar para mim?

Anderson Lopes

Rosinha

Rosinha é desprovida de beleza
Mas o seu corpo é uma represa
Para nela se nadar e se perder

Rosinha já iniciou vários meninos
E remoçou muitos velhinhos
Que na vida não sentiam mais prazer

Rosinha
Pesadelo de esposas
que pelos maridos padecem a noite toda
E dormem sozinhas com os seus filhos

Rosinha
Lembro quando era pequena
A menina já fazia cena
De mulher de mil ofícios.

Anderson Lopes

23 de março de 2012

Epitáfio

Enfim viverei.




Anderson Lopes

Do Nada Que Há Em Mim

Manhã de outono
O vento sopra os galhos das árvores
Que fitam perplexas suas folhas no chão
A rua vazia e silenciosa
No seu tom cinza sepulcral
É de repente invadida por pombos
Cinzas e sepulcrais
Que disputam ferozes
Migalhas espalhadas no chão
Da janela eu olho a tudo
Preso à minha inércia
Invejo a garra dos pombos
E a nudez das árvores...
*“Sim, algumas vidas foram feitas
Para ser desperdiçadas."

Anderson Lopes_ *Citação: Charles Bukowski

18 de fevereiro de 2012

O Carnaval

É fevereiro
O samba é curandeiro
A dor de um ano inteiro se esvai no carnaval
O morro se fantasia
Pinta de alegria
As cicatrizes da vida real.

Anderson Lopes

11 de fevereiro de 2012



Um dia ele saiu
E foi além de onde sempre ia
Afastou-se da margem
E numa viagem
[sem ida e sem volta]
Libertou o que lhe prendia...

Anderson Lopes

A solidão foi embora
Mas eu ainda cultivo aquela tristeza
Que me afastou de amores anteriores

A solidão foi embora
Mas eu ainda passo horas sozinho
Para entender melhor as minhas dores

A poesia me quer só
Para escorrer entre os meus dedos
Sem que ninguém perceba.

Anderson Lopes

3 de fevereiro de 2012

Adeus Solidão

Ah, solidão
Que há tanto tempo me tem
Ela veio para te desafiar
E tomar posse dos desejos meus

Ah, solidão
Em breve não serei tão só
Ela veio para me resgatar
Dos frios aposentos teus.

Anderson Lopes

31 de janeiro de 2012

Ê, Zé

Ê, Zé
Arrastando os pés nesse terreiro
Pés que já rodaram o mundo inteiro
Tal qual um vendaval

Ê, Zé
Andarilho guerreiro
O tempo te botou cabresto
Nos limites do teu quintal...

Anderson Lopes

29 de janeiro de 2012

De Manhã


Gosto de te ver assim menina
Antes de se vestir de mulher
O rosto sem pintura
A boca ainda pura
Vazia de cor

Com os pés fora do salto
Tão seguros no chão
Os cabelos despenteados
Despreocupados
Sem nenhum pudor

Você, assim menina
Frágil e desprotegida
Sem a segurança da mulher
Forte e destemida
Faz-me sentir mais homem
Mais seguro de mim.

Anderson Lopes.

Abrigo

Ancore em mim os seus problemas
Como um barco vindo do mar revolto
Eu sou o teu porto

Ancore em mim as suas emoções
Como um navio que navega no mar em paz
Eu sou o teu cais

Ancore em mim o seu amor
Com a certeza de que ele estará seguro comigo
Eu sou o teu abrigo...

Anderson Lopes

28 de janeiro de 2012

Todo o Sentimento

Ah, que vontade de me perder no tempo
No instante em que a gente se ama
Só para carregar para outras vidas as nossas almas
E povoar na eternidade várias casas
Com o nosso amor...